Vitrine – Joana Vasconcelos

No filme Playtime, quando a noite caía, revelavam-se os espaços domésticos da “Tativille” através de vitrinas; montras que faziam confundir o espaço privado com o público. Esta arquitectura exibia, com naturalidade, o interior das casas e as acções que aí decorriam, projectando um futuro urbano onde o domínio privado seria absorvido pela indiscrição pública. O título atribuído – Vitrine – à intervenção de Joana Vasconcelos na fachada do prédio – o número 12 da Rua do Alecrim – surge como reminiscência destes espaços e como referência à instabilidade e flutuação a que estão sujeitas as noções que classificam a antinomia entre o privado e o público.

Apesar do possível cotejo, a intervenção da artista  – no âmbito do projecto Art Building –, assim como a arquitectura do prédio onde será instalada a obra, situam-se, do ponto de vista formal, nos antípodas dos conceitos que fizeram erguer a utópica “Tativille”. Resultado da renovação urbana imposta pelo terramoto que atingiu Lisboa em 1755, o prédio da Rua do Alecrim encontra-se actualmente sujeito a obras de restauro e remodelação com o objectivo de receber as instalações de uma futura unidade hoteleira. A instalação de Joana Vasconcelos – que acompanhará o período das obras – materializar-se-á num longo, volumoso, tentacular e colorido corpo cilíndrico em ráfia, combinando técnicas industriais de “tecelagem” com a manualidade imposta pelo croché. O extenso corpo central parece romper a cobertura em ráfia, em direcção ao exterior e ao interior, insinuando a saída e entrada – ou vice-versa – no próprio edifício. Tal sugestão reclama uma dinâmica de transformação, interferência e contaminação da arquitectura num jogo onde o edifício se assume como organismo “vivo”.

Indiferente à circunstância de se encontrar aprisionada e estrangulada por longas cintas negras, a estrutura tentacular “cresce” e invade as fachadas a partir de um interior que não se observa, mas se intui, oferecendo aos transeuntes uma experiência desafiadora dos limites programados do quotidiano.